A escrita pode revelar os nossos sentimentos. Através de análise gráfica, um perito é capaz de identificar personalidades, caráter, mentiras, falsidades e inúmeras outras atitudes intrínsecas ao ser humano.
Contudo, diante da crescente virtualização da comunicação, a escrita no papel está cada vez mais escassa. Raramente escrevemos, apenas digitamos. Os relacionamentos através de contato pessoal também se esfriaram. Conhecemos pessoas através de aplicativos, e por sorte as encontraremos para uma conversa pessoal.
E cartas? Quem hoje escreve cartas para um amigo? Quem envia um cartão postal para os pais quando viaja? Hoje apenas digitamos uma mensagem e enviamos uma foto da viagem. Ninguém mais demonstra seus sentimentos através da caligrafia.
Sim, ninguém mais demonstra seus sentimentos!
A escrita é algo muito interessante. É um mundo individual a ser explorado, é conhecer o outro verdadeiramente. Em linhas gerais a escrita é considerada a representação gráfica de palavras ou ideias através de sinais.
A escrita nasceu da necessidade do ser humano se comunicar com os demais.
O perito francês Edmond Solange Pellat, considerado o pai da grafoscopia, estabeleceu os fundamentos do grafismo em seu livro “Les Lois de L’ècriture”, formulando as quatro leis que respaldam a grafoscopia. Tais regras se baseiam no princípio fundamental de que o grafismo é individual e inconfundível. Dessa forma, os postulados da grafoscopia são válidos para todos os tipos de idiomas e todos os alfabetos.
A primeira lei do grafismo dita que “o gesto gráfico está sob influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor, se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado a sua função”.
Ora, o enunciado desta lei deixa claro que o gesto gráfico se origina da mente. Desta forma, ele terá as mesmas características, independente se a pessoa escreve com a mão direita, esquerda, ou até com a boca ou pés, uma vez que, quando o organismo está funcionando normalmente, o cérebro comanda a ação que é direcionada aos músculos, a fim de efetuar os gestos que irão gerar a escrita.
A segunda lei da escrita enuncia que “quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase inconsciente de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de intensidade e de enfraquecimento. Ele está no seu máximo de intensidade, onde existe um esforço a fazer, isto é, nos inícios e no seu mínimo de intensidade, onde o movimento escritural é secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades”.
Portanto, por esta lei, temos que o ato de escrever se inicia por um comando, mas prossegue através de um instinto natural sem que o escritor se dê conta de todos os mínimos detalhes que ocorrem durante a sua produção. Isto é conhecido como automatismo gráfico.
Pela terceira lei do grafismo, temos que “não se pode modificar voluntariamente em um dado momento sua escrita natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito para obter a modificação”.
Esta lei demonstra que a naturalidade da escrita é fator importante para analisar a sua veracidade. Os traços do verdadeiro autor podem até ser copiados, mas para tanto, o fraudador terá de utilizar técnicas que instintivamente demonstrarão formas imprecisas ou forçosas, sem naturalidade, e consequentemente, sem a individualidade do autor da escrita.
Por último, e não menos importante, temos a quarta lei da escrita, que dita “o escritor que age em circunstâncias em que o ato de escrever é particularmente difícil, traça instintivamente ou as formas de letras que lhes são mais costumeiras, ou as formas de letras mais simples, de um esquema fácil de ser construído”.
Através desta lei, verificamos que o escritor geralmente recorre a traços mais simples quando ocorrem situações que limitam o ato da sua escrita, como, problemas com o objeto de escrita, suporte inadequado, posição do punho escritor em relação ao suporte, produção da escrita em movimento, dentre outros, ou seja, sempre que se torna penoso o ato de escrever, em circunstâncias desfavoráveis, prevalecerá a “lei do mínimo esforço”, resultando em simplificações, abreviaturas, letras de forma, ou esquemas, buscando abreviar os lançamentos.
Verificamos então que a escrita é como nossa digital, e assim como não existem digitais iguais, não existem letras iguais. Podem até ser parecidas, porém nunca serão idênticas, pelo simples motivo de que aquilo que reproduzimos no papel é o resultado de um mecanismo que se origina de um espaço de nosso organismo, lotado de pensamentos, experiências individuais e sentimentos próprios de cada um.
Portanto escrever é como pintar um quadro, pois demonstra a personalidade de uma pessoa como um todo. O ato de escrever externaliza o “eu”, mostra a capacidade mental de cada indivíduo, como ele se organiza, como sente as coisas, como toma suas decisões, seu equilíbrio interior, seu grau de maturidade, como se relaciona com outras pessoas, enfim, o ato de escrever coloca para fora sentimentos não demonstrados no ato de digitar.
Assim, há uma diferença gritante quando alguém digita uma mensagem pelas redes sociais, de que “está com saudade”, e quando esta mesma pessoa escreve uma carta dizendo que “está com saudade”.
Este surto virtual trouxe enormes desafios a todos os profissionais que dependem da análise gráfica no papel para a realização de seus ofícios, como peritos grafotécnicos, juízes de direito, advogados, psicólogos, psiquiatras, dentre outros.
Nesta matéria procuramos introduzir o tema, trazer alguns conceitos sobre a escrita, como ela pode exteriorizar os nossos sentimentos.
Iremos explorar mais profundamente nas próximas matérias a análise da escrita na perícia, os desafios da crescente virtualização da comunicação, a assinatura digital e a perda de rastros de grafia, as dificuldades do perito grafotécnico em captar mensagens através das letras, entre outros importantes assuntos sobre este tema.
Publicado originalmente por: Luciana Camperlingo